ARIQUEMES: NOEL, NOEL MEU PÃO DE MEL

26-12-2009 11:30

 

 

Confúcio Moura

 

 

 

Bem que hoje eu gostaria de escrever uma crônica no estilo fantástico. Aquele estilo intelectual agudo de Julio Cortázar ou Jorge Luiz Borges.  Quem sou eu primo para escrever algo fantástico como Borges? Mais ou menos como se entrássemos num túnel escuro e na viagem fosse vendo todas as imagens totalmente diferentes das que os outros vissem. E todas elas relacionadas com o Natal.

Estou ouvindo o sino tocar. Não é a voz metálica do sino. São cordas de viola tangidas por mão apressada. Ou quem sabe não é canto gregoriano enchendo a nave da cidade? E tudo vai se transformando na vida real como se fosse um sonho. E dentro do encanto está o homem que caminha bem mais suavemente. Quem nunca havia observado a paisagem agora olha merecidamente. Se for verdade ou não, pouco importa, sei que Noel veio e faz parte do vazio que só ele poderia preencher. O vazio da própria razão humana.

        Noel, Noel meu pão de mel. Meu produto do desejo sonho de deleite, café com leite. Quero o natal, quero presente, de você somente. Quero porque quero ser alguém renascido. Ser visto, ser lembrado, ser notado, ser gente. Porque o natal sou eu, o natalino, natalício, a natividade, natal da conceição, o nascimento. Qualquer que seja o nome do João, porque natal é um dia. Como o outro, o de junho, o de maio, do mês que não existe. Natal é um mês sem mês, um siamês de qualquer dia.

        Alguma coisa extraordinária está acontecendo. Não sei se é sino, piano, canto gregoriano. Talvez uma força impensante, bem forte, impulsionante que faz a gente pensar igual. Sair por aí totalmente modificado. Ser outro alguém, que faz o que a onda diz, a comprar presente, dizer feliz natal, sorte, saúde, felicidades, estas coisas todas. Estas coisas que se diz sem pensar. Vão saindo, vão pingando como a chuva. Como os raios do sol. Com as pétalas das rosas. Aquela vontade imensa de ser justo. De vender por aí com as badaladas dos sinos, o mar de felicidades para todos. Vender felicidades.  Quer comprar felicidades? Quanto custa um pacote de felicidades? Quanto custa um pacote de alegria? Tem gente que não está na mesma onda. Tem muita gente na subonda. No submundo. No subclima. Na submusica gregoriana.

Mas, estou andando no túnel fantástico do natal. Vou soltar agora bolhas de sabão no ar, tudo escuro e bolhas coloridas no céu de brigadeiro.  Quero soprar letras do alfabeto, gratuitamente. A gente pode dar um presente com letras construídas com bolhas de sabões.  A vida ficará mais iridescente. Quase sempre as mesmas verdades ditas. E o Natal é uma destas verdades que encontramos pelo caminho. Pronto e acabado na forma de uma ilusão verdadeira, inofensiva e de qualquer forma alentadora.

Um natal construído com material reciclável. Porque as palavras também podem ser recicladas. Também dado a elas utilidade na construção do futuro, de aproveitamento, de rendimento, trabalho e economia. E assim também é o ar do natal, do meu natalício e da minha natividade, um ar purificado, docemente inspirado, que ao misturar no sangue faz do homem uma extensão perfeita do universo.   

A minha árvore de natal eu já escolhi. É aquele pé de mangueira, que fica na Avenida Tancredo Neves, redonda de copa, carregado de frutas, com suas próprias luzes foscas, convida o olhar para se pousar nele e se frutificar também nos seus galhos. Aquele pé de manga que sombreia o chão e alberga família de trabalhadores na fiação das redes de pescar. Um pé de manga solidário e que todos os seus frutos são da cidade. A partir de agora eu posso cantar o jingobel. É de se estranhar o ritual natalino que não é para todo cristão cumprir. Ele tem o possível e impossível lado a lado. Tendo ou não dinheiro. Porque algumas frutas desidratadas que vem do Oriente de tão estranhas não se tem acesso a elas. Além dos seus preços por natureza excludentes à maioria do povo brasileiro.

Já que se tem de fazer a ceia natalina, por tradição, não deve haver natal sem a ceia, que pra mim é santíssima, entendo, que em nossas condições basais e temperatura e pressão, a nossa ceia bem que pode ser resumida a um cozido de costela em pirão de farinha de mandioca e com duas talagadas de cachaça.  Esta sim é uma ceia bem brasileira, que nem precisa entrar no túnel fantástico para se colocar num padrão de uso trivial do povo brasileiro. A partir daí pode-se deixar a criatividade rolar trocando peru por galinha caipira, avelãs por castanha de caju ou pedacinhos de coco da Bahia, muita pimenta malagueta tudo servido com arroz de carreteiro, um copo de suco de uva ou dentro do possível uma taça de vinho canção.

O dia do nascimento de Cristo. O natal ficou grande demais para ser somente dos cristãos. Natal como se fosse um dia de todos, um dia do homem, um dia de se pensar em algo grande, talvez maior e mais tenebroso do que a própria morte. Porque a morte iguala os homens. A gente teima em buscar estas verdades que ninguém no mundo consegue esclarecer a não ser pela fé, uma abstração absoluta, que na base da confiança a gente fica entregue a estas alas purgadas que rondam universo sideral.

 O Natal virou tudo. Uma mistura complexa de desejos. De tudo eu peço. Peço ao admirável Noel. Este sim tem um coração generoso. Porém desigual.  Não vê maoria das crianças do mundo.  Se é ficção eu não sei. Pelo sim ou pelo não é melhor deixar tudo como está. E que tudo deva ser mover de um lado para outro. As mercadorias não podem ficar estocadas nas prateleiras.  Porque ano que vem as lojas tem que honrar seus compromissos com as indústrias.  E o povo deve ser conduzido mansamente seguindo as carruagens do bom velhinho.